Por Luiz Fernando Ramos
O teatro e as artes visuais. O espetáculo “Resta Pouco a Dizer”, a partir de três peças curtas de Samuel Beckett (1906-1989), é amostra da pesquisa dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães em torno da caixa cênica. Em 2003, a exposição “Todos os que Caem” desdobrou algumas das peças de Beckett em instalações e performances situadas em espaços cativos das artes plásticas. O transbordamento de limites aqui retomado já aparecia também como encenação, sem perder a condição híbrida que tencionava territórios em geral estranhados. A novidade agora é o resgate de procedimentos do teatro de variedades, uma forma bem popular que fascinou as vanguardas do início do século passado. Ele permite a justaposição de ações performativas isoladas com montagens rigorosas de “Catastrophe” (1982), “Ato sem Palavras 2″ (1956) e “Jogo” (1963).Tudo começa fora do teatro, com dois tanques de água envidraçados. Os performers desempenham uma rotina de submersão até o limite de seu fôlego, intercalada com falas sobre a respiração. Estas são ilustrativas, talvez afeitas aos temas beckettianos da exaustão da linguagem e da circularidade, e enfraquecem a imagem de homens de preto tornados peixes de aquário. Transportado à plateia de um palco italiano, o público encontra a cena montada de “Catastrophe”, um texto que explora, exatamente, as potencialidades de afetação na montagem de uma cena. O que se vai dar a ver aos espectadores? O resultado é o mais teatral do conjunto e, nesse sentido, o que menos alcança o hibridismo perseguido.
VISUALIDADE
“Ato sem Palavras 2″, uma peça-rubrica só com ações indicadas, é uma vitória que o tratamento minucioso da visualidade, caro a esses artistas, obtém sobre o drama. Sem traí-lo, e operando apenas na matéria cênica, exalta sua extraordinária vitalidade na autonomia de palavras faladas. Em “Jogo” a atualização de Beckett, por meio da plasticidade e da perspectiva de artistas visuais, se faz ainda mais impactante. As urnas com cabeças se tornam caixas brancas suspensas em pernas delgadas que evocam truque de mágica, e a velocidade recomendada às falas é assumida, rareando o sentido das mesmas -uma conversa banal de triângulo amoroso. Entre cada uma das peças, os desafios performativos de retenção do ar, no limite do suportável, se repetem em um crescendo de aparições e mergulhos de cabeças em baldes de água, culminando ao final num coro percussivo e em música. É uma rendição aos encantos do teatro e ao arrebatamento pela grandiloquência. O brilho alcançado no diálogo direto com Beckett reflui sem, no entanto, macular-se o mérito dos realizadores.
Texto publicado no jornal Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada, 20 de janeiro de 2011.