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Por Barbara Heliodora

 

Nem sempre se pode acreditar literalmente no que um autor diz a respeito de suas próprias peças, mais não há dúvida de que andaram mais que certos os diretores Adriano Guimarães, Fernando Guimarães e Hugo Rodas ao “levar a sério” a definição que Nelson Rodrigues deu a sua “Dorotéia: uma farra irreponsável em dois atos.”

Levada a sério realmente, como já tem sido feito e proposto, “Dorotéia” é um desastre constrangedor, mas a atual encenação em cartaz no Teatro Ipanema, originária de Brasília, tem o tom certo nos aspectos principais da obra.

A cenografia, responsabilidade dos três diretores, é reduzida a um grupo de cadeiras com rodas que, de costas, servem como genuflexórios – postura crítica perfeita para beatas frustradas, prisioneiras de seu fascínio pelo pecado.

Os figurinos de Lino Villaventura são, não só bonitos como também sugestivos (Com destaque pra o de Das Dores), tudo muito bem iluminado por Guilherme Bonfante.

A produção da montagem não consegue, é verdade, resolver todos os problemas do texto “Dorotéia": no terceiro ato, Nelson se complica a tal ponto com a gratuita história da segunda maternidade de D. Flávia, que ninguém é capaz de fazer sentido com aquilo, nem ao menos como farsa; e a intromissão do clima de carnaval, imaginada pelos diretores, na verdade não faz qualquer contribuição positiva. Mas o acerto básico com clima de claustrofobia e maledicência é realmente primoroso.

As atrizes Denise Milfont e Nádia Carvalho sustentam bem o conflito entre Dorotéia e D. Flávia (esta última destila mesquinhez e maldade) e são bem apoiadas por Shala Felippi, Rosada Nunes e Regina Rodrigues, com destaque para a Das Dores de Adriana Nunes, um delicioso misto de curiosidade sexual e hipocrisia,  com uma hilariante noite de núpcias. Nelson Rodrigues deve, lá por onde anda, estar muito aliviado por alguém ter comprovado, finalmente, que ele sabia o que dizia ao batizar de farsa a sua “Dorotéia”.

 

Publicado no jornal O Globo, Segundo Caderno, 24 de janeiro de 1996.

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