Por Correio Braziliense
Professor da Universidade Estadual da Flórida e editor do Journal of Beckett Studies, Stanley Gontarski foi colaborador de Samuel Beckett, para quem ele recusa o rótulo de absurdo. Em junho de 2005, Gontarski fez uma série de palestras por universidades brasileiras e, de passagem pela Universidade de Brasília, conheceu os irmãos Adriano e Fernando Guimarães. “Passamos um dia inteiro conversando a respeito do trabalho deles e particularmente o trabalho deles a respeito de Beckett”, diz Gontarski, que percebeu que partilhavam uma visão comum do teatro em geral e de como a obra de Beckett deveria ser encenada. Gontarski é de opinião que a obra do dramaturgo pode ser constantemente revigorada e que as peças devem “ser resgatadas da burguesia e abertas para uma nova geração de freqüentadores de teatro”. A convite dos Guimarães, ele esteve no Rio para uma palestra sobre a obra de Beckett. A seguir, Gontarski responde a algumas questões a respeito do autor.
Como se deu sua aproximação com a obra de Samuel Beckett e como foi a colaboração com o dramaturgo?
Conheci Beckett no começo dos anos 1970, quando estava fazendo minha tese de doutorado, e nos encontrávamos sempre que eu ia a Paris. À medida que começamos a conversar mais e mais a respeito de teatro e de performance, descobrimos interesses em comum, e comecei a falar em encenar suas peças. Ele ficou contente de dar sugestões e admitia ouvir quase todas as possibilidades.
O senhor também dirigiu peças de Edward Albee, Bertolt Brecht, Jean Genet e Harold Pinter. Existe conexão entre os trabalhos desses dramaturgos e a obra de Samuel Beckett?
Existe conexão entre esses dramaturgos, na minha opinião, no sentido em que todos eles são dramaturgos muito visuais, isto é, suas peças podem ser abordadas como se fossem arte visual, uma série de imagens, antes que uma narrativa lógica. O poder dessas peças está em assombrar as imagens visuais, não em sua irrealidade. Rejeito a conexão que estabelece que elas são parte de um grupo chamado genericamente (e acredito que equivocadamente) de Teatro do Absurdo. Da minha perspectiva, não há nada absurdo ou irracional a respeito dessas peças, em particular em Beckett. De fato, não conheço um dramaturgo mais racional e preciso.
Qual é, em sua opinião, a relação dos escritos (peças, romances, fragmentos, poemas) de Beckett e os tempos atuais?
A obra de Beckett é muito própria de sua época, em muitos aspectos, isto é, a Paris do período pós-Segunda Guerra Mundial, mas ela também transcende esse período para falar de uma condição central, do que é ser um humano, ver, respirar, pensar, e particularmente para pensar a respeito da condição de si mesmo. É trabalho do diretor (no caso, diretores) fazer o público ver quão contemporâneo é Beckett, como ele é adequado a nossos tempos, o começo do século 21. É precisamente esse o gênio de Adriano e Fernando Guimarães. Eles apresentam um Beckett novo, imaginativo, inovador, assombroso para nossa época, e, ao mesmo tempo, e isso deve ser o mais importante, mantêm a integridade dos textos beckettianos. Adriano e Fernando são ao mesmo tempo inovadores e respeitosos. Eles levam as peças de Beckett para o século 21 sem destruir as raízes da obra.
Entrevista publicada no jornal Correio Braziliense, 2008.