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Por Marília Panitz

 

(...)

Loucura tentar precisar parecer vislumbrar

o que

qual é a palavra

e onde –

loucura tentar precisar parecer vislumbrar.

Qual onde.

Onde –

qual é a palavra

lá longe

longe longe lá

distante.

(...)

Samuel Beckett[1]

 

Adriano e Fernando Guimarães fazem um teatro para os olhos. Esta parece uma afirmação do óbvio. Afinal, o teatro movimenta os olhos, os ouvidos e o corpo do espectador, que se vê transportado, absorvido, para dentro da cena. Pretendo chamar a atenção, aqui, para o caráter plástico de suas encenações, seja quando montam Shakespeare, Nelson Rodrigues ou Samuel Beckett. Falo sobre uma conversa que se estabelece entre o texto do autor e os diretores, que se transfigura em uma tônica de visualidade. Não surpreende, então, o fato de seus trabalhos transitarem recorrentemente entre a representação teatral, a performance e a instalação. Que se movam entre as artes cênicas e as visuais.

Beckett, com seu teatro de silêncios, de falas no vazio, de movimentos limitados e fragmentados, de uma economia dramática, é o dramaturgo com o qual os diretores estabeleceram o diálogo mais longo e intenso. Do espetáculo multimídia “Felizes para Sempre”, que estreou em 1997, até o programa “Não resta mais nada a dizer: 8 peças curtas de Beckett por Adriano e Fernando Guimarães” que se poderá ver agora, este mergulho na sua obra tem gerado propostas  em diferentes campos:das salas de teatro, aos espaços expositivos com o  Bienal de São Paulo ou o Museu de Arte Moderna.

Nos três programas apresentados no Oi Futuro, Rio de Janeiro, há uma articulação entre alguns dos  trabalhos curtos de Samuel Beckett e performances concebidas pelos diretores, que se apresentam como pausas de respiração entre pequenas obras de densidade quase sufocante. Mas não se engane. As performances mudam o tempo - o ritmo da respiração em suspenso, a que somos entregues pela provocação beckettiana - por um outro, ligado aos movimentos dos performers, à sua ação de levar ao limite as possibilidades do corpo.

Organizada, em sua estrutura, como um teatro de variedades, a proposta dos diretores, em seu diálogo com o dramaturgo, lança mão de um recurso muito utilizado por esse tipo de espetáculo: os cortes e as mudanças de enfoque entre as partes da obra. Cortes que provocam nos espectadores que somos um olhar diferenciado, um certo distanciamento em relação ao que acabamos de ver. De certa forma, atuam como um aviso: nossa implicação com a cena deve se limitar ao momento e é justamente a distância que nos permite a experiência estética. Assim, as performances surgem como “espaços entre”,  como comentários  em relação ao texto e à encenação. São intervalos que intensificam a força do texto e, ao mesmo tempo fazem algo característico da obra de Beckett: uma licença ao humor, ao insólito, em meio ao horror da condição humana.

A fala gravada que substitui  aquela da personagem de “Balanço” (que responde a ela), se espelha na claustrofobia de "Respiração -".  A autonomia caçada pela voz de autoridade, àqueles dois mergulhadores que acabam por só obedecer ao limite dos seus corpos, em "Respiração +", pode claramente se apresentar como paralelo à sujeição das personagens de “Jogo”aos caprichos da luz de cena.

O programa apresentado agora traz algumas das peças trabalhadas recorrentemente pelos diretores, como “Ir e Vir”, presente desde a primeira forma de “Felizes para Sempre”, apresentada em uma galeria. Mas há também a montagem, inédita para os irmãos Guimarães, do belíssimo texto “Improviso de Ohio”. Esta prática de mesclar trabalhos já amadurecidos em seu universo poético, com novas experiências de encenação também se mantém nas performances, em um jogo de constante recombinação entre as partes.

O convite, ou melhor, a provocação que “Não resta mais nada a dizer: 8 peças curtas de Beckett por Adriano e Fernando Guimarães” nos faz, parece ser a seguinte: abra os olhos, abra os ouvidos, experimente a aventura de se ver onde... nenhuma palavra diz o que precisa se dito. Qual seria mesmo a palavra?... Talvez som do silêncio.

 

Janeiro de 2008

 


 

[1] “qual é a palavra” é o último poema escrito por Beckett. O trecho aqui apresentado, é retirado de uma tradução, ainda inédita, feita por Bárbara Heliodora.

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